“Querida V.,
Eu queria poder ser todas as pessoas que estão em mim, mesmo as mais contraditórias.
Eu queria ser a mãe dedicada de três filhos com casa, gramado e cachorro, mas eu queria ser também a solteira independente em um apartamento moderno, cheio de livros e gatos.
Eu queria ser a garota descolada que coleciona tatuagens e conquistas. Desapegada. Mas queria ser também a mulher elegante que coleciona arte e sabe falar francês. Fluente.
Eu queria voltar a estudar piano para aprender a tocar os clássicos. Eu queria voltar a estudar piano para aprender a tocar MPB, Regina Spektor e Coldplay.
Eu queria morar em Nova York, em São Francisco, em Paris, em Barcelona e aqui em São Paulo. Talvez no Rio de Janeiro, talvez em Londres. Já quis viver em Florença e, de vez em quando, até flerto com Buenos Aires.
Eu queria tirar férias para visitar aquela amiga que tanto amo e mora com a família em Berlim. Mas também queria fazer um cruzeiro romântico, bronzeada e de branco, pelas ilhas gregas no verão. Eu queria conhecer a Islândia e a Patagônia Argentina – ir pra Ushuaia e esticar até a Antártida.
Eu queria largar tudo e ir pra África de chinelinho e roupa de algodão orgânico, e fazer parte de alguma ONG que cuidasse de crianças ou animais.
Eu queria ajudar mais as crianças e os animais que estão perto de mim.
Eu queria um óculos de sol (mais um) que estou namorando nas revistas. E trocar meu carro também. Mas, ao mesmo tempo, queria doar (quase) tudo que eu tenho para quem precisa tão mais do que eu. E só andar de bicicleta de agora em diante.
Eu queria ser metade disso, metade daquilo: ter a responsabilidade, mas não a culpa.
Eu queria agora estar com meu vestido novo e as pernas de fora, passeando livre por aí. Mas eu queria também estar na minha cama quentinha, quietinha, com um grande amor ao lado.
Eu queria ir ao aniversário do meu avô e rever a minha família, mas também queria não ter que viajar pra lugar nenhum e ficar só na minha casa.
Eu queria cortar o cabelo na altura do ombro, talvez com franja, mas também queria usá-lo assim comprido, como está agora. Eu queria fazer a unha hoje, mas também queria voltar pra cama e dormir só mais um pouquinho.
Eu queria passar dias inteiros sozinha, tirando fotografias do meu bairro, da minha cidade e do mundo. Mas também queria passar dias inteiros apaixonados, melados e grudados, quase sem ar.
Eu queria reler os clássicos, e ir assistir a uns dez filmes da Mostra. Mas também queria escrever textos e cartas bobas, como essa, porque escrever é uma necessidade – não um luxo.
Só que cada texto que eu escrevo é também um que deixo de escrever. Cada amor que eu não vivo poderia ser o que merecia viver.
Sabe, V., o dilema é que temos só essa existência – e muita imaginação. A ideia de passar todo tempo só experimentando é tão sedutora que a gente esquece que, até pra isso, ainda teria que escolher os sabores. Você não pode chegar na sorveteria e pedir pra provar todos. Tem que ser entre dois ou três. Quatro, vá lá. Mas não conheço ninguém que chegou ao quinto, não sem a cara feia da atendente do outro lado do balcão.
É como nos sentimos quando vamos ao nosso restaurante preferido e queríamos pedir o cardápio inteiro. Mas nada, é preciso fazer uma escolha - e todas as renúncias que ela implica. Cansa só de pensar.
E você me conhece bem, V., sabe que eu sou uma das primeiras a decidir qual será o meu pedido, porque faço aquela coisa (chata) da Pollyanna e do Jogo do Contente: eu tento me concentrar na delícia do prato que está pra chegar, e não em lamentar por todos os outros que ficaram pra trás.
Mas no restaurante da existência, é um pouco mais complicado. Seria maravilhoso se, nesse caso, a gente pudesse apenas chegar, sentar e dizer: “Garçom, por favor, me vê o menu degustação”.
Se bem que eu desconfio, V., que, ainda assim, a gente continuaria faminto.
Com amor,
S.”
Fabiane Secches
28 de outubro de 2012
Via Papel e Tudo.
Um comentário:
Opa, que prazer o meu em saber que vai acompanhar o blog! A ideia é atualizar TODO dia, vamos ver até onde resisto, rs. Beijo Lari!
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